Analytics:

quarta-feira, outubro 20, 2010

A ópera pop de Cibele

.
.
A internacionalidade verde-amarela que conferiu à Cibele o status de cult singer auto-exilada da nova MPB (que superou as preocupações tropicalistas e se concentra num resumo enxuto do Brasil-no-mundo) é, ao mesmo tempo, um trunfo estético num mercado global semi-esgotado pela ebulição descontrolada de novidades-por-segundo, e mais uma prova (entulhada atrás de centenas, milhares?, de outras) de que a música brasileira alcança muito mais alto do que querem enxergar os puristas e/ou anacrônicos correlatos, e que há muito tempo dispensou qualquer carimbo extravagante que a reduza à categoria de exótico.




Las Venus Resort Palace Hotel – o último disco da cantora, lançado na Europa no começo do ano e que só ganhou edição nacional agora no segundo semestre, é a corporificação indiferente dessa postura, e dança suavemente entre sussurros bilíngues, silêncios psicodélicos e suingue intimista.

E tal qual Serge Gainsbourg em Melody Nelson, em Las Venus... Cibele criou um alter-ego anfitrião para guiar o ouvinte pelo Resort Palace Hotel, último refúgio de um planeta destruído e abandonado por quem teve dinheiro suficiente para migrar para Marte ou Plutão, reduto da nobreza desse cenário pós-apocalíptico. Transportada para o corpo de Sonja Khalecallon, Cibele – a deusa mãe, divindade oriental da fertilidade da natureza –, e a partir do único hotel da Terra (batizado com o nome da deusa romana do amor), desfia sua ópera pop anglo-amazônica com a suavidade espacial de, por exemplo, “Man from Mars”, o maximalismo sexy de “Lightworks” e a lisergia de guitarras chapadas de “Sapato Azul”, oscilando habilidosamente entre o desbunde calculado do neo-hippismo e a contenção less is more do modernismo, com a naturalidade satisfeita de quem assiste ao pôr do sol da varanda de casa.




Mas não é um disco de consumo fácil, de assimilação ligeira. Assim como qualquer mulher muito bonita, cada uma de suas 14 faixas faz certo cu doce e só se revela por completo nos detalhes, concedidos e apreendidos palmo a palmo em repetidas e atenciosas audições. Mas uma vez desvendado, a suave atmosfera que se vale da eletrônica para embalar o que, num epítome impreciso, dá pra chamar de bossa-pop, o álbum escancara suas filigranas para se expor por inteiro numa obviedade desconcertante.







Nenhum comentário: